May 24, 2020

Sinto falta de andar de bicicleta. No início do ano passado, com quase 39 anos na cara, venci meu medo. Sim, eu tinha medo de andar de bicicleta. Em questão de meses virou meu principal meio de transporte. Não q ainda não sentisse medo, meu trajeto era quase todo numa ciclovia, mas mesmo assim, eu ia meio cagada. Sou uma pessoa naturalmente medrosa.

Praticamente todos os dias eu pegava uma bicicleta laranjinha a algumas quadras da minha casa. Atravessava o Bom Fim, a redenção e chegava no Zaffari da CB, onde deixava a bicicleta. Bike porra como é carinhosamente chamada. Eu não tenho referência, então pra mim elas são ótimas. Às vezes eu comprava alguma besteira no super e aí caminhava as duas quadras até a casa de Sofia, onde fica a sala q eu dividia com dois colegas.

Trabalhei algumas vezes em estúdios (de ilustração, animação e tatu), mas essa foi a única vez q realmente curti. Às vezes eu ia pra lá mesmo se não tivesse nenhuma tatuagem marcada. Não tinha uma mesa de desenho, a sala era pequena, as duas macas ocupavam quase todo o espaço. Mas eu podia desenhar num cantinho. Ou ficar olhando um colega trabalhar, geralmente se aprendia algo novo. E era divertido. A volta pra casa era mais complicada: uma subida. Então geralmente parava na lancheria pra tomar um suco de melancia. Às vezes um pastel tb. Um clássico Porto alegrense.

eu estou há meses lendo (e relendo) esse pequeno grande livro "when things fall apart" da Pema Chodron e lá pelas tantas ela fala sobre a importância de não se ter esperança. eu achei essa ideia bem esquisita, vai meio q contra quase tudo q eu a gente foi ensinado. "We hold onto hope and it robs us of the present moment." esperança faz o cara focar no futuro ao invés de viver o presente. eu não deveria ficar pensando nos passeios de bicicleta e tatuagens ou nos sucos de melancia (por melhor que seja aquele suco) que vou fazer depois da quarentena. eu deveria estar focando no presente. isso faz muito sentido, porém nosso momento atual é anormal. às vezes eu sinto como se estivesse numa sala de espera. mas a gente não sabe o que tem na sala seguinte. nem quanto tempo teremos que esperar.

"This very moment is the perfect teacher" talvez se a gente pensar no tanto que dá pra aprender nessa sala de espera. não me refiro a cursos, lives, workshops, esses são bem legais, se você consegue ter foco e disciplina nesse momento, eu não consigo. ando muito ansiosa e angustiada e sei que muita gente se sente de forma semelhante. é difícil estudar, é difícil produzir. O que eu posso aprender nesse momento então? A ter paciência e compaixão comigo mesma, talvez. parece autoajuda barata, mas acho que existe uma sabedoria aí, mesmo que ela pareça saída de um biscoito da sorte. A Pema me ensinou que isso se chama maitri (a parte da compaixão, não a do biscoito) às vezes eu consigo e outras vezes não. se eu chegar na outra sala sendo um pouquinho mais paciente e generosa comigo mesma já vai ter sido um grande aprendizado e um bom uso desse tempo. provavelmente. a pema também fala em groundlessness, que eu não saberia traduzir direito, literalmente é não ter chão, algo como: aceitar que não há ponto de referência, não há onde se segurar. talvez seja como quando o coiote tá tentando pegar o papa-léguas: sem perceber ele corre sob um precipício, ele fica sem chão. mas ele só vai cair quando perceber isso. talvez a gente deva ser como essa cena do coiote, naqueles segundos em que ele está correndo sob o precipício. ou talvez depois tb, porque mesmo caindo o coiote não morre. tá, ele se quebra um bocado. mas ele levanta e segue correndo, até cair novamente em algum novo buraco. eu acho que a vida é meio que isso aí, correr sob precipícios. talvez o coiote seja um sábio budista. bom, tirando a parte de querer matar e comer o papa-leguas, né. sobre o livro da pema: aqui nesse link tem uma ótimo texto sobre ele, em inglês. e aqui o segundo capítulo do livro em pt. hoje postei essa tirinha

a piada é sobre ter desperdiçado um sonho lúcido: eu podia, sei lá, ter voado sobre marte ou sobre lindos campos de girassóis, podia ter batido um papo com einstein (se bem que seria a minha versão do einstein e certamente ele não seria muito inteligente). mas, sinceramente, é das coisas mais simples que eu sinto falta hoje como andar de bicicleta, tomar suco num liquidificador ou passear pelo centro de pelotas tranquilamente.

ok, eu fico por aqui. obrigada você que conseguiu ler tudo. fique à vontade pra me responder, sugerir leitura e principalmente corrigir qualquer bobagem que eu possa ter escrito (a pessoa lê um livro de budismo e já quer sair falando sobre, é muita algariação, como diria minha vó). cuidem-se!
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